Domingo, 23 de Março de 2008
Lapónico
Jogava-se aos " Países" no Armazém 6:
- Nome de cidade começada por "E"...
- Elsínquia!
Quarta-feira, 19 de Março de 2008
Personagens - Idália
A Idália é a primeira a ser apresentada do lado de cá.
É a coordenadora deste lado mas deve explicações ao lado delas.
Do lado de cá existem quatro tipos de tarefas diferentes que se podem fazer.
Cada um dos "armazenados" faz uma tarefa da parte da manhã e outra da parte da tarde, nunca repete a mesma tarefa durante todo o dia.
Uma das funções da Idália é fazer a distribuição dessas tarefas. Fá-lo, portanto, duas vezes por dia.
As tarefas são: Tirar agrafos, passar folhas, contar folhas ou teclar no computador.
"Tu! Vai sacar agrafos!, tu teclas, tu passas as folhas e tu côntazías!"
Muitas vezes, esta distribuição não é necessária pois cada um de nós já sabe onde vai parar e, voluntariamente se coloca no seu posto de trabalho para as próximas 4 horas.
No entanto, a Idália com cada vez mais frequência pode dizer:
"Façam o que entenderem!" Vira as costas, vai para um computador investigar, mastiga pastilha elástica freneticamente, cantarola nervosamente e ai de quem lhe perguntar seja o que for.
Idália namora com o talhante. Este talhante foi casado e tem uma filha. A ex-mulher do talhante parece que não é muito equilibrada e manda sistematicamente mensagens escritas para o telemóvel da Idália, lançando maus-olhados e desejando que esta morresse.
Em resumo: odeiam-se.
O talhante não reage perante esta situação e mantém contacto frequente com a ex-mulher, até porque têm uma filha em comum.
Idália recusa aceitar que o talhante continue a falar com a louca da ex-mulher e confrontou-o com a situação.
O talhante prometeu-lhe então que apenas falaria com a ex-mulher em casos estritamente necessários.
Mas a Idália nunca quis acreditar e pensou num plano.
A melhor maneira de controlar seria poder ter acesso às chamadas de telemóvel feitas por ele, a que horas, durante quanto tempo e para quem.
Empenhou-se então em descobrir qual a palavra-passe dele na factura detalhada disponível online no portal da operadora.
Não é tarefa fácil descobrir a palavra-passe de alguém, mesmo que se conheça muito bem a pessoa em questão. Mas o empenho foi grande, ao descobrir a palavra Idália poderia saber, finalmente, se o talhante lhe mente ou não.
Tentou primeiro o seu nome. Nada.
Depois o nome dele. Sem êxito.
O nome do hotel onde dormiram juntos pela primeira vez. Népia.
O problema estava difícil de resolver para Idália. Nunca o talhante poderia ter uma palavra passe que não a incluísse a ela de algum modo, directo ou indirecto. Ainda pensou no nome da filha dele, apesar de tudo é sempre algo de importante na vida dele, mas nada parecia fazer abrir a irritante janelinha do login da operadora de telemóveis.
Era um caso quase impossível de resolver.
Idália esteve quase para desistir.
Na realidade, praticamente que desistiu.
Todas as manhãs, via-a, mastigando a sua pastilha, desesperada, tentando mais uma ou outra palavra. Sempre que lhe ocorria algo, ia correndo para um computador dísponivel, tentá-la.
Passaram-se semanas...
Até que um dia...
Cabeça de Fósforo teve um papel importantíssimo na vida de Idália, chegou eufórica com um cachecol colorido e colocou-o em cima do monitor do computador.
Idália olhou, pensou, correu para o computador mais próximo e escreveu:
"Sporting".
Desde esse dia que no Armazém 6, sempre que o talhante telefona à ex-mulher, todos os "armazenados" do lado de cá vivem momentos de verdadeiro stress psicológico. Idália oprime com o seu sofrimento, que se transforma em ordens disparatadas, respostas ríspidas, cantarolares permanentes e milhões e milhões e milhões de batidas de maxilar em pastilha elástica.
sinto-me: alienada
Terça-feira, 18 de Março de 2008
Não há fogo sem pânico
No dia 17 de Janeiro estava marcado um simulacro de incêndio no Armazém 6.
Deveria ser entre as 10 da manhã e o meio-dia.
Supostamente soariam os alarmes e Cabeça de Fósforo seria a responsável pela organização da saída das instalações, devidamente assistida por Sapo Atropelado.
Ainda antes do Natal já não passava um dia em que não se falasse nisso. A excitação era grande e havia sempre alguém que, durante o dia se lembrava de recordar aos demais: “ Faltam 26 dias pessoal!”, “ É assim: não se esqueçam que dia 17 temos o simulacro.”
À medida que o tempo ia passando os telefonemas a amigos e familiares iam aumentando de frequência, fazendo lembrar o facto.
“É verdade... Está quase, é já para a semana... mas é assim, eu acho que vai correr tudo bem..”
O telefone do armazém 6 nunca teve tanta actividade, sempre tocando com a sua estridente campainha, reclamava de cada vez um “armazenado” diferente. À vez lá iam, atendiam o telefone e ouvia-se: “É assim, eu não estou nervosa, mas estou um pouco tipo naquela. É assim, até vai ser um dia diferente, e é assim, se pensares até que é importante.”
E assim se viveu a expectativa durante semanas, contando os dias e as horas até à data de 17 de Janeiro, dia em que haveria uma movimentação à volta do Armazém 6, dia em que alguém de fora nos pudesse conhecer, dar importância.
Era o dia em que todos os “armazenados” seriam finalmente lembrados, protegidos.
Uns dias antes, foram impressos panfletos informativos sobre aquilo que se iria passar, de modo a todos estarem prevenidos e devidamente preparados. Fazia-se referência à extrema importância dos coordenadores da simulação, ao respeito e obediência que lhes deveríamos prestar. Tudo estava previsto ao detalhe: A saída do Armazém 6, a chegada dos bombeiros, a cronometragem dos tempos, o portão electrónico perfeitamente sincronizado para a entrada e saída dos humanos em questão.
Nos dois últimos dias, chegaram dois senhores bem vestidos que dedicaram algumas horas à inspecção de pormenores essenciais:
A planta do Armazém 6 foi afixada com pompa na copa, no meio de garfadas, massas e bocados de esparregado. Continha a indicação das saídas de emergência que supostamente deveriam existir. Estas saídas não estavam devidamente assinaladas e no próprio dia do simulacro, um segurança apareceu com uns autocolantes fluorescentes, consultou a planta afixada e cumpriu a sua missão.
No panfleto das informações de segurança, havia também a imposição da existência de uma lanterna no Armazém 6.
À última da hora Cabeça de Fósforo encomendou uma lanterna grande e potente.
Quando o funcionário da Personalis a entregou, Cabeça de Fósforo hesitou um pouco em relação ao sítio onde a deveria colocar. Reuniu com Sapo Atropelado e passados uns minutos anunciou:
“É assim: Eu tenho aqui esta lanterna que vai ficar fechada à chave na minha gaveta. É assim: Se algum dia houver tipo uns problemas quaisqueres, é assim vocês têm de me pedir a chave.”
Finalmente chegou o dia esperado.
Logo de manhã já se sentia o nervoso miudinho.
Por volta das 10:30 h soou o alarme.
- É assim: Ninguém se mexe do sítio!! – gritou Cabeça de Fósforo
Todos se agitaram, concentrados para não cederem à tentação de se levantarem das cadeiras. Ensurdecidos pelas sirenes, esperámos que a Cabeça de Fósforo telefonasse para confirmar se aquelas sirenes faziam parte do simulacro.
- É assim pessoal: ainda não é agora. É assim, foi um falso alarme, estejam calmos e continuem a trabalhar.
Mantivemo-nos nos nossos postos, ouviu-se um burburinho durante alguns minutos e depois tudo voltou à normalidade, exceptuando o pequeno nervoso que ainda pairava no Armazém 6.
As sirenes calaram-se mas logo de seguida voltaram a soar, mais ensurdecedoras que nunca.
Agora já nenhum dos “armazenados” se levantou. Continuámos a trabalhar, de cabeça enfiada nos agrafos, distraídos.
No meio das agudas vibrações, todos aguardávamos a voz de comando “É assim!”
Já os ouvidos agonizavam quando a voz de Cabeça de Fósforo se elevou acima das sirenes:
“É assim! Pessoal! É assim! Tudo lá para fora!”
Levantámo-nos, arrastámos os pés e saímos entediados.
Fazia muito frio, Sapo Atropelado tinha dito:
“Vá. Vá. Rápido, não há tempo.” Quando alguém quis voltar atrás para buscar a gabardina.
Sapo Atropelado e Cabeça de Fósforo seguiram então as instruções.
Formámos um grupo onde Cabeça de Fósforo ia à frente, destacada de cerca de 2 metros de distância. Sapo Atropelado seguia atrás de nós com os mesmos 2 metros de distância, mas, de vez em quando, chegava-se junto do grupo e com pancadinhas nas costas em jeito de empurrão ia dizendo:
“Vá. Vá. Com calma, todos com calma. Não tenham medo. Façam o que vos digo e tudo correrá bem”. Era uma voz doce e maternal que tinha a intenção de nos sossegar dentro do nosso horror.
Porém, alguém reparou que apenas o Armazém 6 (Existem mais 4 dentro daquele espaço) se movimentava e perante o comentário Cabeça de Fósforo, sempre atenta, respondeu:
“É assim: Nós vamos sair, se mais ninguém quiser vir, é assim, o problema é deles. É assim, estejam calados e fiquem calmos”
Tive, por momentos, a deliciosa sensação que o Armazém 6 podia estar realmente a arder. Até porque alguém, por sugestão, disse estar com a sensação de cheirar papel queimado.
Passámos o portão electrónico, que se abriu imponente à nossa frente. Ordenaram-nos que passássemos para o outro lado da estrada e ali ficámos, tiritando de frio...
Ao longe, avistámos dois senhores vestidos de preto que traziam walkie-talkies, uma pasta numa mão e um cronómetro na outra.
Afinal aquilo até parecia ter alguma importância.
- É assim, agora vão contar quanto tempo demoram a chegar os bombeiros – Sentenciou Cabeça de Fósforo.
Esperámos 5 minutos.
Esperámos 10 minutos.
Esperámos 15 minutos.
Não havia sinal nem de bombeiros nem de mais ninguém bem vestido.
Ao fim de 25 minutos de espera e perante as condições atmosféricas bastante agressivas, Cabeça de Fósforo resolveu tomar uma decisão.
- É assim. Eu vou voltar lá dentro para telefonar a saber o que se passa. É assim, acho que já passou algum tempo. Fiquem aqui e mantenham-se calmos.
Sapo Atropelado, no entretanto, tinha-se afastado do grupo e estava dentro do carro, com a chauffage no máximo, ouvindo música enquanto mandava SMS’s de amor a Isidro.
Eu meditava.
Que fazer em caso de incêndio real, se Cabeça de Fósforo se lesionar, onde vou eu buscar a lanterna? Que fazer se Sapo Atropelado entrar em pânico? Qual de nós lhe diria com voz delicodoce “Calma Sapo. Calma Sapo.”?
Cabeça de Fósforo demorou cerca de 7 minutos. Alguns dos “armazenados” resolveram não esperar mais e ir ao café espairecer.
Quando Cabeça de Fósforo regressou, os “armazenados” que ainda restavam já congelados, suspiraram de alívio. Finalmente vai haver uma decisão.
- É assim! Pessoal! Vamos voltar para dentro. Já está. Acabou o simulacro.
Fiquei surpreendida por saber que um simulacro consistia apenas numa tortura de 30 minutos ao frio. Não contestei pois já de regresso ao aconchegador Armazém 6, obtive de imediato a minha resposta.
Sapo Atropelado falava ao telefone com Isidro e ouvi claramente:
“Ah! Môri! Correu muito bem, sim. Eu acho que sim. Ninguém entrou em pânico. É. Os simulacros servem para ver se alguém entra em pânico.”
Percebi então qual o verdadeiro objectivo daquele dia, e percebi que tinha corrido bem. Para quê os bombeiros se conseguimos todos mantermo-nos calmos?
Quando me sentei e antes de tirar o primeiro agrafo ainda tive tempo de ouvir:
“Não sei, môri, talvez pó ano. Tábem môri, eu pergunto à Cabeça de Fósforo se podes vir. Beijinhos...”
sinto-me: 
a arder!!
Segunda-feira, 17 de Março de 2008
Personagens - Cabeça de Fósforo
Cabeça de Fósforo é o segundo e último elemento do lado delas.
Hierarquicamente está acima de Sapo Atropelado, mas ambas estão acima tanto do lado de cá como do lado de lá. Portanto, no Armazém 6, a Cabeça de Fósforo é o cume da autoridade.
A sua característica mais marcante, mesmo para quem a ouça pela primeira vez, é o sistemático, insistente, repetitivo, multiplicativo, opressivo e esmagador emprego da expressão "É assim!".
Cabeça de Fósforo a "armazenada" mais antiga, começou com um pequeno trabalho temporário mas, num golpe de sorte, ficou com o "posto a que já cheguei".
Um dia quando interrogada porque não retornava a estudar respondeu:
"É assim, eu?! para quê? É assim, com o posto a que já cheguei?! É assim, não vale a pena, até porque é assim."
Assume-se como comunista ferrenha, mas é uma compradora diária do jornal "24 horas", porque tem um formato pequeno e dá jeito trazer o jornal debaixo do braço.
Apenas falhou a sua compra durante algumas semanas, quando um certo Dr. da Merda, teve no Armazém 6 uma grande influência nela.
Este Dr. da Merda conseguiu exercer grande poder sobre Cabeça de Fósforo apesar da sua estadia de apenas dois meses. Esta influência foi, no entanto, tão forte que Cabeça de Fósforo deixou de comprar o "24 horas" e passou a comprar " O Público".
Refira-se que o Dr. da Merda era um intelectual que numa ida à FNAC perguntou à menina do balcão: "Tem o livro "O Leão" de Tolstoi?".
Cabeça de Fósforo, quando assumiu "o posto a que já cheguei" viu-se, de repente e sem aviso, numa situação complicada.
Nos primeiros meses desabafava com os demais que não conseguia falar ao telefone, escrever um e-mail ou tão pouco receber o homem da Personalis, sem ficar uma pilha de nervos, era uma responsabilidade demasiado elevada.
Mas aos poucos adaptou-se e, hoje em dia, apesar de não conseguir evitar atender o telefone sem dizer "É assim!", de não conseguir escrever um e-mail sem o "É assim." e de não saber pronunciar as palavras escritas em inglês nos erros de computador quando tem de explicar, pelo telefone, aos técnicos informáticos que tentam deseperadamente perceber o que se passa com os PC's, consegue fazer tudo isto airosa e intelectualmente descontraída.
Assina as guias de transporte dos homens da Personalis com um elegante rabisco, que cá para mim, no meio das curvas espiraladas e convictamente caligrafadas bem que podia estar, disfarçado e asseguradamente ilegível, o nome do Dr. da Merda.
Quarta-feira, 12 de Março de 2008
Personagens - Sapo Atropelado
Sapo Atropelado
É uma das protagonistas das melhores histórias do Armazém 6.
Mulher, 26 anos, escorpião (para ela isso é muito importante)
Obcecada com a entrada do ar exterior dentro do armazém. É responsável pela altura a que deve estar o portão de lagarta existente à entrada.
Faz parte, com Cabeça de Fósforo (em breve também a sua apresentação), do duo que não pertence aos demais do armazém. Eu explico:
Existem 3 lados:
- O lado de cá
- O lado de lá
- O lado delas
Sapo Atropelado e Cabeça de Fósforo fazem parte do lado delas. Este lado tem algumas diferenças com o lado de cá e o lado de lá, que serão explicadas em devida altura, mas que são preponderantes em alguns dos casos que serão contados.
Sapo Atropelado namora com Isidro que conheceu nos chats da internet, durante as horas de expediente.
É filha de primos direitos.
Já vai na sua segunda gravidez histérica.
Sofre de autoridade inexistente.
Sapo Atropelado é uma "armazenada" há três anos.
Terça-feira, 11 de Março de 2008
Os sobreviventes do tsunami andam bem calçados
Pela altura da tragédia do tsunami, todos andávamos pensativos, bombardeados com imagens televisivas de cadáveres inchados e cinzentos. Houve também histórias maravilhosas de mães que encontraram os filhos, de um rapazinho que se salvou com uma camisa da selecção nacional vestida.
Durante semanas, os telejornais nacionais ocupavam o seu espaço com entrevistas a quem por lá passou ou, pelo menos, que conhecesse alguém que pela tragédia tivesse passado.
Logo no dia seguinte à tragédia, 27 de Dezembro, havia já uma conta bancária, que passava insistentemente em rodapé nas televisões, para quem quisesse ajudar as vítimas, aliás, os sobreviventes. Milhares de pessoas se dispuseram a ajudar os pobres desgraçados que tanto mal nos faziam sentir à hora do jantar na televisão.
Pediu-se ajuda a todos. Comida, roupas, água potável, enfim, bens de primeiríssima necessidade. Todos queriam colaborar. A situação era, de facto, chocante.
O Armazém 6 não fugiu à regra...
Uma "armazenada" chegou uma manhã e, orgulhosa, declarou que também ela já tinha dado o seu contributo às vítimas do tsunami, nomeadamente às vítimas da Tailândia.
Tinha enviado, através da paróquia da sua freguesia, um par de sapatos de salto alto, salto agulha...
Saltitava, contente pela sua colaboração e apregoava a sua generosidade para com as pobres vítimas. Sentia-se bem e sonhava ainda com algo:
- Já imaginaram pessoal? Imagina eu estar a ver o telejornal e de repente, ver alguém com os meus sapatos calçados. Era o máximo!! Bué da fixe! Punha-me logo aos gritos: Olha! Olha! os meus sapatos na televisão!!! Espectáculo!!
Bom, parece-me que tudo pode ter a sua utilidade neste mundo (que lamacento ele é na Tailândia!).
Imagine-se, por exemplo, as prostitutas da Tailândia, desalojadas, sem as suas roupas de lantejolas, apenas com trapos para vestir, sem maquilhagem.
Sem clientela...
Ora, se alguém porventura quiser pagar a uma prostituta nesta situação, escolherá, decerto, a mais bem calçada!...
Aquele donativo dos sapatos de salto alto demonstrava uma larga visão que Bruaca não se apercebera à primeira.
sinto-me: televisiva?
Sexta-feira, 7 de Março de 2008
Em tempo de seca...
Dos momentos diários passados no Armazém 6, o mais alto é sempre a hora de almoço, impreterivelmente das 13 às 14 horas.
A grande maioria dos "armazenados", que são cerca de 13, faz-se transportar de um tupperware que contém a comida para aquele dia. Os tempos estão maus, e não há capital para sustentar os restaurantes da zona.
Com 4 metros quadrados, a copa consiste numa mesa redonda para quatro pessoas, um pequeno frigorífico, um aparelho de microndas, uma máquina de café e um lavatório que insiste em revoltar-se com o seu constante entupimento.
Às 13 horas, um primeiro grupo ocupa a copa, constituído por 6 pessoas, que podem variar, mas que normalmente são sempre as mesmas por motivos que se tornarão claros ao longo dos posts que aqui serão criados. É feita uma fila de tupperwares ao lado do microndas de modo a que cada um não perca a sua vez de aquecer o desejado almoço.
À mesa, sentam-se seis "armazenados", apertados e acotovelados, quase que partilham os talheres, pedaços de comida e eventuais perdigotos que possam surgir durante o falatório e a comezaina.
De quando em quando, alguém tem comida mais elaborada, e todos provam e partilham, espetando os garfos no prato desse, saqueando a melhor parte: "Está muita bom!, como fizeste?", "Xavaaala, tá muita fixe...", "Queres um bocado do meu?, tá fixe.".
E assim se come, no meio de talheres de plástico, que se espetam no cotovelo do vizinho.
Certo dia, um dos "armazenados", o Sapo Atropelado (o porquê do nome será explicado mais tarde, na secção alcunhas e hierarquias) queixou-se:
- Ai... já não me apetece comer - suspirando e com pequenos arrotos internos insistia:
- Este resto de comida... já não consigo mais... estou cheia..
À sua frente, a Bruaca ripostou:
- Se não queres mais, não comas, que raio...
- Nãããão, não posso, faz-me impressão deitar comida fora. Se fosse pão, dava-lhe um beijo e deitava-o para o lixo, mas assim.. - Tinha um ar preocupado, a culpa de deitar restos de comida poderia ser-lhe demasiado pesada.
- Bom, se formos a pensar em tudo aquilo que desperdiçamos.Olha a água por exemplo, tanta que desperdiçamos e que tanta falta faz a milhões de pessoas. - Disse a Bruaca indiferente
Mas, a reacção de Sapo Atropelado foi inesperada. Abriu os olhos, retorceu-os, endireitou-se na cadeira de plástico, fazendo ranger todo o conjunto do mobiliário e disparou:
- NÃO, Bruaca! É que tu não estás bem a ver a cena! Eu, eu, por exemplo, não desperdiço água! Eu, por exemplo, tipo, se vou a um café e peço um copo de água, bebo-o todo!! Tás a perceber?!
sinto-me: 
à seca
2001 agrafes numa tarde
Este é o ínicio de uma grande série de histórias.
São histórias verídicas, passadas num armazém nos arredores de Lisboa.
Este armazém é um verdadeiro mundo social à escala piloto, onde tudo se pode passar, onde se podem encontrar os melhores protótipos de personagens bem portuguesas, onde tudo é uma barafunda e onde todos saltitam, em cada dia, de sentimento em sentimento, levemente, como de nenúfar em nenúfar.
Muitas vezes é apenas uma questão de horas:
"É bué da fixe", "detesto-a", "irrita-me", "não posso com ela", "É uma bacana", "deve ter a mania", "É minha amiga", "É uma cretina, que não interessa a ninguém".
Ao longo deste blog serão relatados episódios que têm tanto de triste como de cómico, será um retrato de personagens, todas elas diferentes, mas todas com um denominador comum: Todas conseguem sacar 2001 agrafes numa tarde.